Na mitologia grega, existem seres híbridos, como as sereias, com parte do seu corpo com forma humana e outra parte com traços animais. Os seus bustos eram humanos, enquanto a outra metade de seus corpos era uma cauda de peixe.
Esses seres míticos trazidos pelo o poeta Homero no canto XII da Odisseia possivelmente escrito no século 9 antes de Cristo, traziam consigo uma beleza fascinante. As lindas sereias tinham um canto dos deuses em seus lábios que encantava os marinheiros desavisados que passavam na ilha de Capri.
Seduzidos pelo o maravilhoso canto das sereias, os marinheiros descuidavam da embarcação e eram conduzidos a lugares rochosos onde os barcos batiam violentamente nas pedras e naufragavam. As sereias, então, levavam os marinheiros para o fundo do mar.
Apesar da ilha de Capri estar repleta de ossos de outros marinheiros que sucumbiram aos encantos das sereias, deixando um claro um sinal de grande perigo e de morte, o estupendo canto encantava os que passavam por lá.
Por isso, a expressão “canto da sereia” é empregada para designar um discurso agradável e persuasivo que esconde uma farsa.
O poema de Homero está atual sobre vários aspectos e nos serve para correlacionarmos com as renegociações bancárias que são oferecidas pelos colaboradores das instituições financeiras.
Diariamente tenho visto, tristemente, pessoas e empresas que aderiram a renegociações bancárias absurdas atraídas por algumas “vantagens” tais como: prorrogação do prazo de pagamento, um aumento do número de parcelas com um preço mais atrativo ou, até mesmo, “carências”, períodos em que o devedor não precisa pagar a prestação.
É preciso reconhecer que esses termos são atrativos. Pois do contrário, não seria o canto da sereia. Que carrega uma suposta beleza que hipnotiza e faz pessoas pularem de cabeça rumo ao pior.
Aquelas “vantagens” seriam de fato vantagens se não carregassem consigo juros, multas, taxas, vendas casadas, garantias adicionais como condição para a renegociação que, no longo prazo, fazem da dívida uma bola de neve, totalmente impagável resultando no aumento diário do valor total da dívida.
Levando pessoas, famílias e empresas desse País irem rumo às pedras e rochedos da falência, do caos financeiro. Isso sem considerar o abalo emocional, relacional, o abalo na saúde tanto física quanto mental. Se isso não é o “canto da sereia” moderna, não quero nem imaginar o que seria!
Atendi, recentemente, um caso onde uma pessoa fez seu primeiro empréstimo com um grande banco, no valor de pouco mais de R$ 1.000,00 (um mil reais). Ocorre que, essa pessoa, pegou um outro empréstimo com o mesmo banco agora no valor de uns R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
No entanto, essa pessoa não conseguiu pagar os empréstimos por conta de imprevistos. Foi até o banco para renegociar sua dívida. O banco por sua vez, renegociou a dívida e concedeu ao devedor, mais um empréstimo que, junto com a renegociação, ficava no valor de aproximadamente R$ 70.000,00 (setenta mil reais).
Para encurtar a história, houve ao longo de 7 (sete) anos 22 (vinte e dois) renegociações bancárias que saltaram de R$ 1.000,00 (um mil reais) para o patamar de R$ 1.500,000,00 (um milhão e quinhentos mil reais).
Só que agora, tudo o que essa pessoa conseguiu na vida, estava penhorado como garantia da dívida. Fiquei extremamente estarrecido com esse caso. E foi ele que me despertou para escrever esse artigo.
Infelizmente, vejo muitas pessoas caírem no canto da sereia bancário. Às vezes por medo da Ação de Execução que ficarão sabendo que o banco ajuizou. Ou, por vezes, por não enxergarem outra saída acabam por ser vítimas de um encanto que irá levá-los ao fundo do mar financeiro.
Não se trata aqui de demonizar os bancos ou instituições financeiras. Como qualquer negócio, eles buscam lucro.
No entanto, a informação e a transparência devem ser pilares em qualquer negociação, garantindo equilíbrio nas relações contratuais e fazendo cumprir o seu papel constitucional, que é servir aos interesses da coletividade e promover o desenvolvimento equilibrado do País, elencado no art. 192 da nossa Constituição Federal.
E não baterem recordes e recordes de faturamento enquanto o mundo experimenta consequências de uma crise sanitária, às custas de famílias e empresas inundadas pelo “canto de boa vontade” que na verdade os fez naufragar.
Em suma, assim como o grande guerreiro e herói grego Odisseu (Ulisses, para os romanos), que tinha acabado de vencer a guerra contra Tróia derrubando a grande cidade impenetrável, não ousou a desafiar o encanto do canto das sereias, os devedores devem se precaver contra os encantos da renegociações bancárias. Com a orientação correta e um olhar atento, é possível navegar por essas águas traiçoeiras e alcançar um porto seguro.
Pretendo com esse artigo instigar uma reflexão sobre a forma como são propostas e as possíveis consequências de decisões tomadas sem o devido cuidado.
Assim como, em tempos modernos, a Disney romantizou o mito das sereias, os bancos querem romantizar a dívida. Pois, segundo a propaganda de um banco, a palavra “dívida” tem dentro de si a palavra “vida” (dí – vida).
Na propaganda em questão, há pessoas sorrindo e felizes vivendo um sonho maravilhoso. Muito diferente da realidade que vejo todos os dias com os clientes que atendo, que chegam, na maioria, tristes, depressivos, preocupados ao extremo e sem esperança.
Com essa romantização, as renegociações absurdas bancárias tornam-se ainda mais encantadoras. Cuidado com o canto da sereia!
Como advogado, tenho o dever de orientar nossos clientes por esse mar repleto de sutilezas, garantindo que seja tomada a melhor decisão, adequada e personalíssima em cada caso. Com isso, evita-se um naufrágio financeiro.
Na dúvida, procure sempre um advogado especialista na área bancária de sua confiança. Ele com toda a certeza te protegerá do canto da seria bancário.
Por Dr. Elielson Araújo.
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